A princípio, Michael Surrell não viu o fumo negro ou as chamas a saírem das janelas dos vizinhos. Ele e a mulher tinham acabado de estacionar do outro lado da esquina da sua casa, em Allentown, na Pensilvânia, quando recebeu uma chamada de uma das filhas. «A casa ao lado está a arder!» Foi investigar. Foi então que viu duas mulheres e uma rapariga histéricas à porta da casa. «O bebé está lá dentro!» gritou uma delas. Embora já tivessem chamado os bombeiros, Michael, então com 64 anos, correu para dentro instintivamente.
«O bebé» era Tiara Roberts, a neta da mulher e colega de brincadeira dos filhos mais novos de Michael, então com 8, 10 e 12 anos. As mulheres à entrada eram a tia de Tiara e a prima. Entrar na casa a arder foi como «correr para dentro de um balde de tinta preta», recorda Michael Surrell. O espesso fumo fê-lo andar às cegas, queimou-lhe os olhos e tornou-lhe impossível respirar. As condições eram perigosas para qualquer um, mas para Michael, que tinha doença pulmonar obstrutiva crónica, representavam um perigo para a sua vida.
Depois de alguns minutos na casa cheia de fumo, saiu para recuperar o fôlego. «Onde está a Tiara?», perguntou, desesperadamente.
«No segundo andar», gritou-lhe a tia.
Michael Surrell sabia que não conseguia suster a respiração durante tanto tempo. Por isso murmurou uma pequena oração. «Bem, Senhor, é agora. Tens de me ajudar porque não saio dali sem aquela menina.»
Inspirando fundo, entrou pela segunda vez. A escuridão era esmagadora. Porém, como a casa tinha uma planta semelhante à sua, encontrou as escadas e conseguiu chegar ao andar de cima. Virou-se para a direita e deparou-se com um calor intenso. Já estava sem fôlego.
«Menina, onde estás?» A garganta e os pulmões ardiam-lhe como se estivesse a inalar fogo e não o fumo e a fuligem no ar. Cada piscadela mordia-lhe nos olhos. Tudo o que ouvia era a madeira a estalar com o fogo. Então ouviu-se um gemido leve, mas distinto. Ainda incapaz de ver, Surrell caiu de joelhos no chão quente de madeira. Rastejou em direção ao som, procurando com o tato qualquer sinal da rapariga. Um pensamento sombrio passou-lhe pela mente: provavelmente vou morrer aqui.
Por fim, tocou em algo. Um sapato, depois um tornozelo. Puxou Tiara para si. Tinha o corpo inerte e não respirava. Amparou-a nos braços e pôs-se em pé. Sentiu o calor das chamas na cara. Virando-se, lutou por entre o fumo e correu às cegas na escuridão. Quando deu por isso, estava na porta da entrada e, depois, lá fora. Michael pousou Tiara no alpendre. Uma voz disse-lhe: «Tens de respirar por ela.» Começou a fazer a reanimação – a primeira vez que o fazia. As mulheres atrás dele rezavam em silêncio. Em breve ouviu-se uma tosse cheia de fuligem da garganta de Tiara. Michael fez mais cinco expirações. Ela tossiu de novo. Os seus olhos piscaram. Deu-lhe um fôlego mais. A rapariga abriu os olhos e inspirou sozinha.
Os seus olhos encontraram-se. Michael Surrell abraçou-a com força e disse: «O tio está aqui.» A seguir, a sua garganta fechou-se. Michael acordou no hospital dois dias depois, tendo sofrido queimaduras graves nas vias respiratórias e na parte superior dos pulmões. Passou mais de uma semana no hospital. Tiara teve alta do hospital passados alguns dias.
O fogo exacerbou a doença pulmonar de Michael e ainda sente os efeitos mesmo dois anos depois. Em resultado disso, toma medicação adicional que o ajuda a abrir as vias respiratórias. «É um preço pequeno a pagar», diz ele. «Faria o mesmo de novo, sem hesitar. Não pensava duas vezes.»